Luís Carlos Luciano
Jornalismo e literatura se entrelaçam numa história de vida

Resiliência

Acho que não seria exagero comparar O Progresso a fênix. Nascido na década de 20 na cidade de Ponta Porã (penso nas dificuldades, pois, se hoje já é difícil viabilizar um jornal no interior dá para imaginar naquele tempo) parou de circular depois de seis anos se não me engano para ressurgir em 21 de abril de 1951 em Dourados.
 
 
Depois, no início dos anos 60, novamente adormeceu e em seu lugar surgiu o Jornal de Dourados em outras mãos e logo depois a família Amaral Torres retomou O Progresso e a partir de então num único fôlego chegou até setembro de 2019 quando encerrou mais uma vez as atividades da versão impressa e em fevereiro de 2020, aleluia, ressurge semanalmente nas bancas em novo formato mantendo a plataforma digital. Não seria uma semelhança com a mitológica ave que renasce das cinzas?
 
É força da resiliência, da insistência, da teimosia, luta por um ideal, enfim, algo transcendente. Creio que não é só interesse pelo lucro. Ou seria destino? Há um magnetismo, uma predestinação em seu entorno e sem citar o viés jornalístico, obviamente sua principal missão. Coisas de uma família protegendo seu legado? Não é tão simples de se explicar, mas acredito que o jornalismo, de um jeito ou de outro, encanta os donos de O Progresso.
 
Há também uma ligação, uma química, um compromisso com as pessoas, com a memória, com Dourados, com seu passado, com o pulsar de um organismo enraizado com a terra fértil e uma vontade enorme para manter o jornal vivo e influente.
Digo com alguma propriedade porque trabalhei na redação desse jornal por quase duas décadas, do início dos anos 80 até perto de 2000. Boa parte de seus funcionários, assim como eu, entrou no vigor da juventude usando calças curtas e saiu enrugada. Parece uma pinga de alambique das boas. Para mim foi a maior escola porque ali forjei e aperfeiçoei a lavra jornalística e literária. Perto de me tornar idoso imprestável e caro para governos ultracapitalistas só a morte ou a demência para esvaziarem as lembranças doces, amargas, boas, ruins e conflituosas da cozinha de O Progresso. Seria pieguice? Pode ser. Está dentro de mim...
E quem ganha com esse novo começo? Lógico que somos todos nós concidadãos dessa graciosa e controvertida cidade. Além disso, quanto mais jornalismo, melhor. O jornalismo é indispensável à democracia, ao saber, ao pluralismo, ao equilíbrio das forças. Mas jornalismo de verdade e não ventríloquo de governos e do poder econômico. Não custa lembrar que o jornalismo profissional tem lá seu custo relevante, mas pequeno diante do retorno moral, ético e financeiro. 
 
O Progresso possui o maior arquivo impresso do cotidiano da cidade, da região e talvez de Mato Grosso do Sul. Não há um pesquisador da história que não se curve ao seu valor, preciosidade e diversidade, material todo digitalizado pelo Centro de Documentação Regional (CDR) da UFGD e disponível ao público.
 
Da minha parte torço para que os ascendentes tenham foco e fé nessa jornada porque os tempos atuais estão bicudos demais. Tudo tão rápido, tão transformador, uma tecnologia fantástica e ao mesmo tempo ameaças poderosas como as fakenews que proliferam e encontram eco em meio ao senso pouco crítico e apurador da opinião pública, e o Covid19 que trouxe a morte para mais perto do nosso quintal cuja batalha requer ciência, medicina, compromisso com a saúde pública por parte dos governos, consciência coletiva e informação correta.
 
Boa sorte à nova equipe e parabéns por mais um aniversário. Conciliar jornalismo de qualidade com a viabilidade econômica sempre foi um desafio, mas o jornal tem mostrado ao longo do tempo essa possibilidade. 
 
O futuro de O Progresso, em certa medida, está em boas mãos e espero que essas boas mãos jamais abdiquem ao jornalismo responsável porque, sem isso, corre-se o risco do dito pelo não dito, ou seja, poderá ter sido em vão todo o esforço para se manter na ativa.


Artigo escrito para a edição de aniversário do jornal de 21 de abril de 2020.